Na abertura da 76ª Assembleia Geral da ONU, dia 21 de setembro, em Nova York, o Secretário-Geral da entidade, António Guterres, destacou a tecnologia como um dos vetores essenciais de transformação do futuro do planeta pós-Covid e discutiu o papel das tecnologias digitais. Segundo ele, é absolutamente necessário, por exemplo, que o acesso à internet seja amplificado, chegando a todos os povos até 2030 – a fim de permitir o desenvolvimento sustentável das nações mais vulneráveis.
Ao chamar a atenção para a questão da expansão da conectividade, Guterres trouxe também aos holofotes a discussão sobre o papel das tecnologias digitais no enfrentamento dos desafios do mundo depois da pandemia. Dentre as grandes e mais emergenciais tarefas para os próximos anos está a mitigação dos efeitos adversos das mudanças climáticas, diante das quais a tecnologia tem imensa contribuição a dar.
Guterres pediu aos 193 chefes de Estado reunidos no encontro que fossem mais audaciosos em suas medidas e estratégias de contenção das emissões de gases do efeito estufa. Ele sugeriu ainda criação de mais empregos “verdes” ligados à sustentabilidade e economia circular, o fim dos subsídios para os combustíveis fósseis e a tributação de empresas poluentes. “Nós devemos levar isso a sério e devemos agir rápido”, declarou ele na plenária.
Ouça o podcast greenTALKS “Os desafios da conectividade digital”, com o Prof. Edelvício Souza Júnior.
O sentido de urgência de Guterres encontra eco ainda no relatório “Climate Change 2021: The Physical Science Basis”, do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês), publicado em agosto. Pelo estudo, a temperatura média da Terra já se elevou em 1,1ºC desde o período pré-industrial, no século 19, em razão da atividade humana e precisa ter o seu ritmo desacelerado.
Confiante, ele disse ainda ser possível que as nações reduzam em 50% todas as emissões de carbono até 2030, bem como a sua completa eliminação até a metade deste século. E mencionou estarmos próximos de efetivar um fundo anual de US$ 100 bilhões para ajudar os países mais vulneráveis a mitigar os impactos do aquecimento global.
O papel das tecnologias digitais
Além da função de desenvolvimento sustentável do acesso à internet mencionada por Guterres, as tecnologias digitais também podem contribuir no atendimento à emergência climática. É o que aponta o estudo “Digital With Purpose – Delivering a SMARTer2030”, realizado pela Deloitte em parceria com o GeSI (Global e-Sustainability Initiative).
Segundo o relatório, a inovação tecnológica exerce um papel relevante na viabilização dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Blockchain, tecnologia IoT, cloud computing, inteligência artificial e 5G, por exemplo, podem influenciar diretamente as metas ESG de companhias, governos e organizações, com reflexos imediatos na sustentabilidade do planeta.
A utilização de ecossistemas de IoT, a internet das coisas, nas empresas têm aumentado a produtividade da indústria 4.0, melhorado a qualidade dos serviços e potencializado a experiência do cliente – tudo isso sem elevar demasiadamente o consumo de energia elétrica, cumprindo parte importante da agenda sustentável das companhias.
No campo o efeito é similar, com produtores rurais aprendendo a implementar inovações high tech nas lavouras e criações que entregam mais produtividade com menor uso de recursos naturais, como ocupação do solo e água para irrigação.
Nas cidades mais inteligentes do mundo, as novas tecnologias têm contribuído na gestão e na criação de políticas públicas que melhoram a vida das pessoas e tornam os centros urbanos mais ambientalmente amigáveis.
No caso da mobilidade urbana, por exemplo, plataformas digitais permitem gerenciar as ofertas de transporte, reduzindo consumo de combustível e a emissão de CO2. Em termos práticos, significa deslocamentos mais inteligentes, acessíveis, híbridos na combinação de modais e de menor impacto ao meio ambiente.
O estudo da Deloitte-GeSI ressaltou ainda que o uso de inteligência artificial pode ajudar na prevenção de catástrofes naturais, como os incêndios florestais. Softwares sofisticados já trabalham neste sentido, combinando imagens de satélites, históricos de incidentes e modelos de simulação que alertam as autoridades quanto ao risco iminente de fogo.
Neste contexto, a indústria de TI tem atuação fundamental. Como a tendência é de aumento de demanda por processamento de dados em todos os segmentos econômicos e sociais, o desenvolvimento de infraestruturas digitais mais resilientes, seguras, com máxima disponibilidade e, sobretudo, eficientes energeticamente é essencial para a diminuição da pegada de carbono das empresas, cidades e propriedades rurais, contribuindo para uma gestão mais eficiente e tomadas de decisão mais assertivas.
A transformação das empresas
Desde o início desta década, as companhias mais atentas à questão da sustentabilidade dos negócios têm buscado implementar as boas práticas do ESG como forma de alinhar os seus negócios ao futuro da economia.
Incentivar uma cultura sustentável dentro de ‘casa’, com ações efetivas de engajamento dos colaboradores; adotar rígidos controles de compliance; elaborar relatórios de impacto ambiental; participar de iniciativas como o Pacto Global, da ONU, que visa atender a 10 princípios universais da Humanidade; todas estas ações compõem uma abordagem positiva que é cada vez mais exigida nas mesas dos grandes negócios.
De uma maneira geral, todo tipo de empresa pode contribuir nesta jornada de estabilização climática, mas é de consenso comum também que o setor de tecnologia é quem pode efetivamente acelerar este processo. E ganhar tempo, neste caso, faz toda a diferença.
Em uma era de economia data centric, cuidar para que o processamento de dados das empresas seja eficiente energeticamente é o primeiro passo para a inserção dos negócios neste modelo Net-Zero. Esta transição passa necessariamente por data centers e infraestruturas de TI que garantam baixo PUE (Power Effectiveness Usage), sem que haja perda de performance.
A questão energética é central para quem depende de dados. Como o consumo de energia dos data centers está em ascensão por conta da explosão da demanda – a estimativa do governo da Dinamarca é chegar a 15% do grid mundial em dez anos –, crescem também os investimentos em pesquisa para resolver o problema. Alguma soluções, aliás, já estão disponíveis no mercado.
A implantação de serviços de IT Performance e Green Efficiency, por exemplo, que atuam no ambiente físico e lógico do data center, pode resultar em uma redução de até 60% do consumo energético da infraestrutura.
Há ainda centros de dados instalados em regiões geladas do mundo para utilizarem o fator clima exterior a seu favor. Em outros casos, o data center está ao lado de rios ou lagos congelados, e mesmo sob baixas temperaturas no fundo dos oceanos. Outra estratégia é construir data centers próximos a fontes de energia renovável. Países tropicais, com forte insolação e alta frequência de ventos para carregar baterias de energia solar e eólica – como é o caso do Brasil – podem ser favorecidos.
Do ponto de vista do posicionamento das companhias, não há mais onde se esconder: grandes empresas estão buscando eliminar as suas emissões de carbono a partir das cadeias de fornecedores, operações, produtos, serviços até chegar nos próprios financiadores do negócio. Isso tem pressionado empresas menores e parceiros públicos, como governos, a agirem da mesma forma. Além disso, todos passaram a estar mais vigilantes sobre o comportamento dos demais na cadeia produtiva e de negócios, o que é avaliado como positivo por CEOs e stakeholders.
Afinal, o risco físico que as mudanças climáticas trazem é significativo em muitas regiões, impedindo o trabalho dos profissionais, danificando infraestruturas e interrompendo linhas de produção, o que resulta em severos prejuízos. Neste sentido, os líderes empresariais mais atentos sabem que este perigo só ficará mais distante se houver uma ação efetiva de redução da emissão de gases do efeito estufa no curtíssimo prazo.
Há também a questão financeira. Empresas cujos negócios sejam categorizados como de baixo carbono terão o custo do seu capital muito menor do que setores como o de óleo e gás, por exemplo. Seja sob qual prisma que se queira analisar, é notória a necessidade de descarbonização rápida da economia – e a tecnologia tem um papel importantíssimo nesta missão.
Cidades mais sustentáveis
O impacto positivo da inovação nas cidades é visível sob diversos aspectos. Centros de dados que realizam a integração de informações coletadas no ambiente urbano e junto aos seus moradores oferecem suporte excepcional para a tomada de decisão por parte do gestor público.
Um exemplo é o Centro de Operações Rio (COR), inaugurado em 2010 para realizar o monitoramento em tempo real de todo o município do Rio de Janeiro. O ambiente reúne diversas agências de serviços públicos e autoridades diante de um painel repleto de informações geradas a partir da análise de dados captados por sensores, câmeras e satélite. Dessa forma, é possível agir com mais eficiência na resposta a problemas cotidianos como congestionamentos, alagamentos e segurança pública, bem como eventos inesperados, como a pandemia de Covid.
Ouça o podcast greenTALKS “Como a tecnologia pode ajudar a melhorar a qualidade de vida das cidades brasileiras” com Alexandre Cardeman, Chefe Executivo do COR.
Reflexos importantes também são verificados na gestão da mobilidade urbana. Cidades que adotaram ferramentas digitais de gerenciamento de oferta de frota de ônibus, por exemplo – como é o caso da plataforma Trancity, desenvolvida pela Scipopulis –, observaram redução nas aglomerações de passageiros nas paradas, aumento na velocidade média dos veículos e diminuição no tempo das viagens – o que reduz também as emissões de carbono. Isso porque o painel cruza dados diversos, estáticos e em tempo real, para oferecer um panorama de cada linha, incluindo velocidade, dados de emissões de poluentes, além da oferta e demanda de ônibus, facilitando a tomada de decisão.
A gestão dos resíduos urbanos também pode ser melhorada a partir do uso de tecnologias como o IoT. Em determinados bairros de Nova York, lixeiras públicas inteligentes contam com sensores que alertam ao serviço de coleta municipal quanto a melhor hora de retirada do lixo em razão do volume. Isso evita a queima de combustível fóssil do caminhão e o desperdício de tempo e equipe na extração dos cestos fora do tempo ideal.
Na mesma cidade americana foi instalada uma rede de sensores inteligentes nos registros hidráulicos de todos os prédios a fim de detectar vazamentos e outros problemas com o fornecimento de água. Novamente, a tecnologia cumpre aqui a função de evitar desperdícios, reduzindo a necessidade de consumo de recursos naturais.
Em resumo, o espectro de atuação das tecnologias digitais na mitigação dos impactos gerados pelas mudanças climáticas é bastante amplo. Seja nas empresas, na agricultura, nas cidades, as ferramentas digitais diminuem as emissões de carbono, tornam mais eficientes a gestão dos insumos oriundos da natureza, eliminam gastos energéticos desnecessários e amplificam o acesso a serviços de qualidade por parte dos cidadãos. É preciso, contudo, que iniciativa privada e gestores públicos apertem o passo.
Como bem frisou Guterres em seu pronunciamento na ONU, não há mais tempo a perder. Empresas, cidades e pessoas têm um objetivo comum: definir o destino do planeta e das próximas gerações. Para tanto, é vital ter 100% disponibilidade ao diálogo, dar segurança aos mais vulneráveis e garantir maior resiliência ao planeta para enfrentar os desafios que estão porvir. É hora de acelerarmos todos juntos para um futuro mais sustentável.