Tecnologia e o futuro do transporte de carga rodoviário

Tecnologias avançadas como IoT, edge computing, inteligência artificial, 5G e LiDAR estão pavimentando um novo futuro para o setor de transporte rodoviário de carga mundial. Um cenário promissor, com impactos positivos na economia, na vida das pessoas e no meio ambiente.

Tecnologia e o futuro do transporte de carga rodoviário

Na noite de 22 de dezembro de 2021, uma carreta carregada de mercadorias encostava no centro de distribuição da empresa TuSimple na região metropolitana de Phoenix, Arizona (EUA), para a última entrega do dia. Uma viagem tranquila, de pouco mais de 128 km, desde Tucson, de onde partira 1h20 antes. Tudo rotineiro não fosse por um detalhe: não havia motorista humano no caminhão.

O evento foi considerado o primeiro teste de um self-driving truck – caminhão autônomo cuja condução é orientada por software – e entrou para a história da mobilidade urbana mundial. Um feito que deixou evidente o futuro do transporte de carga rodoviário, onde a tecnologia exercerá um papel fundamental.

A transformação do segmento acontece dentro e fora dos veículos. A bordo, sistemas operacionais utilizam radares, imagens de câmeras, GPS, conectividade 5G e leitores ópticos para feixes de luz (LiDAR) que auxiliam a traçar rotas, tomar decisões e garantir a segurança da carga e dos demais automóveis, ônibus e outros caminhões que estejam compartilhando o mesmo trajeto.

Do lado de fora, as estradas estão se tornando mais inteligentes, com infraestruturas digitais apoiadas em ecossistemas de IoT e edge computing, câmeras de monitoramento potencializadas com inteligência artificial e machine learning, fornecendo uma série de dados que permitem viagens mais rápidas, com redução de consumo de combustível e maior eficiência da malha viária.

Uma combinação essencial para se conseguir atender ao aumento da demanda por transporte de carga do pós-pandemia e da economia digital, gerar uma requalificação de empregos e colaborar com a redução das emissões de carbono do setor.

Sem motorista

A TuSimple é uma jovem startup criada em 2015, especializada em modernizar caminhões com pacotes tecnológicos self-driving. Seu sistema operacional analisa dados e imagens em tempo real, produzidos por câmeras inteligentes e leitores ópticos instalados no caminhão.

Isso permite que o computador interno avalie a rota programada, analise variáveis como congestionamentos e instabilidades meteorológicas, visualize o que acontece na estrada cerca de mil metros à frente do seu ponto atual e tome decisões 15 vezes mais rápido do que um cérebro humano. Estes caminhões são equipados também com uma plataforma de conectividade própria e não dependem do wifi da estrada para se manterem ativos.

A empresa, avaliada em US$ 1 bilhão, pretende começar a fabricar os seus próprios veículos a partir de 2024. Até dezembro do ano passado, ela já contava com quase 7 mil encomendas.

O custo de toda essa tecnologia embarcada é de aproximadamente US$ 500 mil por caminhão, o que os especialistas americanos não consideram excessivo dada a economia com o salário anual de um motorista de carreta nos EUA: US$ 45 mil, na média. Outra vantagem do novo modelo: o caminhão autônomo realiza uma viagem costa-a-costa em dois dias, parando apenas para abastecimento. No modo tradicional, o trajeto costuma demorar o dobro.

Crescimento acelerado

Estradas que falam

Em artigo recente da consultoria McKinsey, “Road work ahead: The Emerging Revolution in the road construction industry”, os autores afirmam que as novas infraestruturas rodoviárias já estão sendo equipadas com sensores inteligentes e recursos de processamento local dos dados (edge) para orientar os veículos e dar mais eficiência ao tráfego local.

Medidas como a aproximação controlada eletronicamente entre os diferentes modais de transporte por rodovias. Colocando-os uns mais próximos dos outros a uma velocidade constante e com total segurança, pode elevar em até 50% a capacidade de uso de cada faixa da estrada.

Outros dispositivos instalados, sejam em vias recém-construídas ou modernizadas passam a monitorar a conservação das estruturas, emitindo alertas e indicando manutenções preventivas a serem feitas. Sensores inteligentes também geram informações sobre temperatura, condições do clima, qualidade do ar ao longo da via, uma enorme quantidade de dados que precisam ser coletados, analisados e processados.

Antes mesmo de saírem do papel, as smart roads já utilizam o big data para determinar o caráter técnico e funcional da obra. É possível diagnosticar previamente quais as necessidades do tráfego a serem atendidas pela estrada, os materiais que deverão ser utilizados, o planejamento das etapas, a definição de prazos e iniciar a pré-fabricação das estruturas. A adoção destes passos pode representar uma economia de cerca de 30% sobre os custos totais.

Tecnologias como digital twins e simuladores 3D têm ajudado, por exemplo, a reinterpretar a largura das faixas de rolamento para veículos pesados. E elas ficarão mais estreitas. Segundo orientação da Comissão Europeia, passarão de 3,75m – medida calculada levando-se em conta a probabilidade de erro humano dos condutores – para 2,5m, voltadas exclusivamente aos caminhões autônomos.

Outras propostas ainda mais inovadoras começam a surgir na esteira do interesse no desenvolvimento deste novo modal. Isso inclui um novo tipo asfalto que gera energia elétrica conforme a fricção dos pneus exerce sobre a pista.

Investimentos em infraestrutura de transporte

Impacto socioeconômico

A revolução tecnológica do setor deve gerar reflexos importantes nas empresas e na sociedade. O modal se torna mais eficiente e isso impacta sobretudo na linha de custo das companhias.

Por sua atuação altamente regular, sem atrasos ou oscilações de desempenho, é possível se criar modelos de deslocamento que potencializam a performance. Em março, o MIT – Massachusetts Institute of Technology publicou um estudo sugerindo que estes novos caminhões inteligentes percorram as estradas em comboio.

A explicação dos pesquisadores é que o arrasto aerodinâmico dos veículos diminui sensivelmente quando reunidos em pelotão, resultando em economia de até 20% de combustível.

O professor do MIT, Sertac Karaman, afirma que a lógica é a mesma de outros sistemas, como a dos pássaros que voam em formação V ou ciclistas que andam enfileirados nas provas de longa duração. Ou seja: serve para diminuir a resistência do vento e dar mais eficiência a atividade. No caso dos caminhões, ser mais eficiente também significa ser mais sustentável e menos poluente.

No modelo do MIT, as viagens em comboio necessitam de caminhões autônomos para alcançar o êxito esperado. Isso porque, no cálculo dos pesquisadores, somente com veículos orientados por alta tecnologia é possível garantir a condição ideal do deslocamento: distância de 3 a 4 metros entre as carretas e velocidade de 96 km/h por toda a jornada.

Veja como a tecnologia está transformando o setor de logística.

Do ponto de vista social, a substituição dos motoristas por computadores gera uma perda inicial de empregos. Em geral, postos de trabalho mal remunerados e de baixa qualificação técnica. A chegada da tecnologia no segmento pode contribuir para dar um upgrade neste perfil de profissional.

Na contramão, o desenvolvimento do novo modal também tende a preencher uma lacuna no setor: a falta de mão de obra disponível. Nos Estados Unidos, o déficit de motoristas de caminhão para grandes distâncias saltou de 10 mil em 2017 para quase 61 mil no ano seguinte, segundo dados da organização American Trucking Drivers. Este número de vagas livres para caminhoneiros no país pode chegar a 100 mil nos próximos cinco anos.

Na Europa, o fenômeno é semelhante, com 36% de déficit em 2020. Empresas de transporte rodoviário de carga em países como a Polônia e Romênia sofrem mais, segundo indica pesquisa da UITP. Nestes locais, crescem os investimentos na substituição dos veículos tradicionais por modelos driverless, sem motorista.

Algumas empresas já desenvolvem modelos híbridos de atuação – condução humana e autônoma no mesmo trajeto. É o que propõe a Embark Trucks Inc., com sede em San Francisco, Califórnia (EUA). Na proposta da companhia, motoristas tradicionais seriam responsáveis pelo trecho inicial da viagem, conectando a origem da carga com um primeiro ponto de transferência. E pela fase de conclusão, entre o segundo transfer point e o destino final. Todo o percurso dentro deste intervalo seria realizado por veículos orientados por software. Ao utilizar condutores humanos apenas nos trechos mais curtos, que exigem maior perícia, a empresa acredita valorizar os profissionais, inclusive no aspecto financeiro.

 

Modelo Híbrido

O impacto na saúde pública também é bastante relevante. Em 2015, cerca de 380 mil pessoas perderam a vida por conta da poluição expelida pela frota mundial de caminhões de carga, segundo levantamento do International Council on Clean Transportation. E o custo financeiro decorrente foi da ordem de US$ 1 bilhão.

No Canadá, as carretas movidas com combustível fóssil são apontadas pela Universidade de Toronto como fonte primária mais importante de emissões de “black carbono”.

Muito além das estradas

Toda essa transformação do setor de transporte de carga, seja a partir das estradas inteligentes ou dos veículos auto conduzidos, precisa ter como denominador comum a questão da sustentabilidade.

Em um espectro amplo, os meios de transporte representam cerca de 16,2% das emissões globais de gases do efeito estufa, segundo dados da ong Our World in Data, utilizados como base de análise pelo Banco Mundial. Deste total, 11,9% têm origem no transporte rodoviário, seja ele de passageiros ou de carga, em uma proporção de 60%-40%, respectivamente. Descarbonizar o segmento e tornar mais eficiente as suas operações significariam uma redução importante na quantidade de gases poluentes despejadas anualmente no meio ambiente.

A questão é prioritária. A agência ambiental dos Estados Unidos (EPA) aponta que os caminhões à diesel foram responsáveis por 24% de toda a poluição do ar gerada pelo setor de transportes no país em 2019. Portanto, a reboque de todo este esforço por carretas mais inteligentes vem junto a necessidade de descarbonização do segmento.

Frota mundial de caminhões de carga movidos a eletricidade

Enquanto a eletrificação dos propulsores não atinge a escala adequada, a adoção de caminhões inteligentes na logística das companhias tem demonstrado ser a estratégia mais eficiente para contribuir com a diminuição das emissões de gases do efeito estufa no planeta.

Para alcançar um cenário de neutralidade total de carbono em 2050, conforme pretendido pelas nações na última COP26, o setor de transporte em geral precisa reduzir anualmente 20% de suas emissões até 2030. Em quantidade, significa despencar de 7,2 GtCO2 registrados em 2020 para 5,7 GtCO2 em 2030. Um desafio gigantesco que só poderá ser vencido com a ampla adoção da tecnologia.

No paralelo, urge a necessidade de investimentos em infraestrutura digital por parte não apenas das empresas de transporte, como também do poder público. Rodovias inteligentes são uma exigência inadiável para o desenvolvimento do novo modal. A implantação de tecnologias como IoT, edge computing e AI nos sistemas que compõem essas estradas ajudarão a qualificar o gerenciamento de tráfego, a proteção de motoristas, passageiros e pedestres, o monitoramento do impacto ambiental e a geração de novos e melhores empregos.