O varejo é um dos setores que vêm passando por transformações mais dramáticas nos últimos anos. Com a aceleração da migração para o digital durante a pandemia, o comércio online deu um salto. De 2019 a 2022, cresceu de 5% para 12% de participação no faturamento do varejo, de acordo com o relatório MCC-Enet.
Tão ou mais importante que isso, foi a redução da resistência de um amplo espectro do público às compras virtuais. Outro estudo, da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), indica que mesmo pessoas acima dos 60 anos perderam o medo do online. Em 2017, apenas 12% já haviam comprado pela internet. Hoje, o percentual está em 88%, e 84% já adquiriram algo via celular.
Mas apesar da forte aceleração recente, e de freios ao consumo como os juros e a inflação em alta, as mudanças que estão por vir tendem a ser ainda mais profundas. É o que afirmam especialistas independentes e consultorias como EY, BCG e IDC.
“Tradicionalmente, operações de loja, sortimento, experiência do cliente e cadeias de suprimentos eram os quatro principais pilares da indústria de varejo”, afirma Digvijay Ghosh, sócio consultor da EY Índia, em estudo sobre tendências tecnológicas para o varejo em 2023. “As tecnologias modernas criaram oportunidades para reinventar as lojas, personalizar a experiência do cliente e reestruturar e modificar cadeias de suprimentos”.
Com as transformações tecnológicas em curso, e o ritmo acelerado da vida, as expectativas e demandas dos consumidores se elevaram, avaliam os autores de outro estudo, do BCG. “Eles estão buscando ofertas mais personalizadas, conveniência, experiências diferenciadas e um serviço melhor do que nunca, o que está levando ao fechamento de lojas de formatos antigos”.
Entre as principais tendências apontadas para o ano estão o avanço do modelo de omnichannel; a personalização da jornada do consumidor; a adoção de realidade virtual, de realidade aumentada e do metaverso para melhorar a experiência de compra dos consumidores; o uso de IA e análise de dados de forma integrada no planejamento, na tomada de decisões, na operação e na otimização das operações do varejo; e a busca por maior eficiência e confiabilidade na cadeia de suprimentos.
Com o omnichannel e a personalização da jornada do consumidor em um ambiente híbrido, por exemplo, os varejistas mais avançados vêm buscando oferecer, ao mesmo tempo, em todos os canais, o melhor do comércio online e offline, diz o futurista Bernard Marr, autor de livros como Tech Trends in Practice.
Na prática, segundo Marr, em uma loja física, isso significa a empresa ser capaz de entender, já na entrada, quem é o cliente e o que ele quer, da mesma forma que aconteceria se o cliente acessasse o site na internet. No online, a meta é a criação de uma experiência imersiva similar a das lojas físicas através de recursos de personalização, de realidade virtual e aumentada.
Já existem experiências em andamento. Algumas companhias, entre elas Walmart e Hugo Boss, têm provadores virtuais em suas lojas online. Para usá-los, os clientes criam uma representação virtual de si mesmos, ou de seus pés, e a usam para ver como ficariam com peças de vestuário vendidas no site. “Haverá pressão crescente por formas de se provar roupas virtualmente e por provadores digitais”, afirma Marrs.
Para personalizar a experiência de compra nos pontos de venda, por outro lado, os varejistas vêm recorrendo cada vez mais à IA, combinada com IoT e processamento na borda (edge computing). Segundo estudo recente da S&P Global Marketing Intelligence, 77% dos varejistas têm planos de investir em soluções do tipo, nos próximos dois anos. O que demanda também, de acordo com a consultoria, o investimento em infraestrutura de TI.
Assim, os dados captados por câmeras e outros sensores podem ser rapidamente processados para a obtenção de recomendações personalizadas, com base no histórico de interações do cliente com a marca em diferentes canais, e no que há no estoque local. Ou mesmo para identificar, além do cliente, o que ele está levando da loja e cobrá-lo sem que precise passar por um caixa ou sacar o cartão de crédito, como já acontece nas lojas da Amazon Go.
Na cadeia logística, outra mudança clara em 2023, segundo os mais recentes estudos de tendências, será a migração de varejistas para um modelo que integre a gestão de estoques, próprios e de terceiros, e as entregas nos canais físicos e digitais, para atender a demanda crescente dos consumidores por conveniência e aumentar a confiabilidade das cadeias logísticas.
Para que os clientes possam ter a opção de comprar online e retirar na loja, comprar online e trocar na loja ou, ainda, comprar na loja e receber em casa são necessários sistemas de gestão de estoques mais complexos e automatizados, envolvendo IA e APIs de integração com fornecedores. “Os consumidores estão demandando maior eficiência em processos de pagamento e entrega”, afirma Marrs. “Em 2023, galpões de estoque totalmente automatizados e robôs em lojas se tornarão cada vez mais comuns, assim como robôs autônomos e drones de entregas”.
Como resume o IDC, com base em sua pesquisa de tendências para o varejo em 2023, as companhias que estão se destacando – e vão se destacar – são aquelas que mais apostam em inovação. “Os varejistas não estão investindo em pequenas mudanças em seus portfólios – estão investindo em grande escala e velocidade de automação digital, orientada por IA e sensores. Estamos no meio de uma revolução no varejo liderada por tecnologia e liderada pelo cliente”, afirma Leslie Hand, vice-presidente do IDC.