A tecnologia na transformação do setor de logística

A nova realidade digital das empresas criou formas inéditas de produzir, vender e pagar por produtos. Agora, a tecnologia está mudando a maneira como eles são armazenados, distribuídos e entregues. É a logística em sua versão 4.0.

A tecnologia na transformação do setor de logística

No centro de distribuição da FedEx na Carolina do Norte (EUA), o funcionário Jefe inicia a sua jornada de trabalho pela manhã sempre rigorosamente no horário. Sua função é carregar os volumes mais pesados – pneus, canoas e caixas do tamanho de um cofre – pelos mais de 195 mil m² das instalações, onde outros 1.300 empregados batem ponto diariamente. Jefe não se atrasa nunca. Jefe não descansa. Jefe não reclama do salário. Jefe é, na verdade, um robô.

Ele faz parte de uma frota de cinco equipamentos autônomos sobre rodas que trabalham no local desde 2018. Foram  desenvolvidos para integrar o programa de inovação da companhia americana na busca por otimizar os processos dentro de seus centros de distribuição. Como a FedEx, outras big companies globais têm investido cada vez mais em tecnologia de ponta para a digitalização do supply chain e de suas plataformas de recepção, armazenagem e envio de produtos, visando dar mais eficiência e reduzir os custos da operação. É a chamada Logística 4.0, essencial para elevar a competitividade e garantir o futuro das empresas na era da economia digital.

O empurrão do e-commerce

A aliança entre tecnologia e logística vem se fortalecendo há décadas, mas foi com a explosão recente do e-commerce que o setor ganhou caráter estratégico. De acordo com a consultoria eMarketer, o comércio online mundial faturou US$ 4,28 bilhões em 2020 – 27% a mais do que no ano anterior, já reflexo da pandemia e do lockdown que fechou lojas físicas e acelerou a digitalização do varejo.

O Brasil está entre os 10 maiores mercados globais de e-commerce – sendo o maior da América Latina. Apenas no primeiro semestre de 2021 foram vendidos R$ 53,4 bilhões em produtos e serviços via sites ou aplicativos (Fonte: Nielsen), um recorde, com alta de 31% em relação aos seis primeiros meses do ano passado. Foram 42 milhões de brasileiros comprando online sendo que, destas, 6,2 milhões eram usuários novos.

varejo-digital

Diante deste fenômeno, não é difícil compreender a necessidade que levou a um aumento exponencial de investimentos em soluções de tecnologia para a área de logística. Em agosto passado, a empresa de comércio eletrônico Mercado Livre anunciou investimentos de R$ 10 bilhões ainda neste ano, grande parte para o aprimoramento dos seus sistemas de distribuição. A companhia que vende 29 produtos por segundo, conta com oito CDs (Centros de Distribuição) no País.

O crescimento do comércio online pressionou o setor de logística a se tornar mais eficiente, já que a tolerância por falhas ou atrasos na entrega é cada vez menor. Mas a questão transcende à simples melhoria no transporte de mercadorias. Envolve integrar diversas operações: gestão dos pedidos, verificação de fornecedores e parceiros, controle de estoque, acompanhamento da movimentação dos produtos em si – dentro e fora dos warehouses. É diante dessa complexidade que a tecnologia assume o seu papel fundamental.

LEIA MAIS: Por que é a hora de investir na alta disponibilidade dos ambientes de TI ?

De blockchain a drones

Muitas soluções tecnológicas já vem sendo utilizadas para ganhos de agilidade, produtividade e segurança na logística 4.0. Algumas delas não são nada novas, como é o caso da rádio frequência (RFID), que há tempos é empregada na comunicação entre transportadores e galpões logísticos. O monitoramento de cargas por satélite (GPS) também é tática frequente e antiga no setor – embora a precisão dos devices tenha sido fortemente aprimorada nos anos recentes.

Até o uso das redes sociais é crescente e relevante, na medida que auxilia e fortalece o relacionamento direto entre empresas e clientes a respeito de questões relacionadas à entrega das mercadorias.

Mas quando se pensa em dar maior segurança a grandes contratos e processos, uma novidade é o uso do blockchain. A tecnologia que permite o armazenamento distribuído dos dados com caráter de “memória imutável”, garante que as informações registradas nele não sejam alteradas sem o consenso e conhecimento dos demais membros da cadeia. Isso configura em grande vantagem, sobretudo em processos de logística onde existam muitas partes envolvidas ao mesmo tempo. Um atestado de confiança digital mútua bem menos oneroso de ser confeccionado do ponto de vista financeiro.

Um bom exemplo dessa aplicação é o transporte de cargas sensíveis, como insumos médicos e farmacêuticos, que necessitam de monitoramento rígido 24/7 das condições de temperatura durante todo o seu deslocamento. Por meio de sensores instalados no material embarcado, é possível que estes dados sejam registrados por meio de um blockchain de forma permanente, servindo como objeto valioso de consulta – e segurança jurídica – quando da entrega do material ao seu destinatário.

O desafio da “última milha”

Quem já acompanhou em tempo real a entrega de um pedido, como uma pizza, e viu a mensagem no aplicativo “Pronto para entrega”, sabe a eternidade que pode ser o tempo para que a encomenda chegue de fato. Essa ansiedade está embutida na chamada “last mile“, o momento final do processo de envio e ponto de maior tensão – e de custo – de toda a cadeia logística.

Isso porque ela envolve diversos fatores que podem gerar ineficiência. Nas cidades, por exemplo, o trânsito é um quesito a ser considerado, bem como vias estreitas em bairros de difícil acesso, que dificultam a operação. No campo, as distâncias entre os pontos de entrega pode ser o fator que encarece o custo final do frete.

Uma maneira de reduzir o impacto negativo dessa etapa é utilizar tecnologias que combinem IoT e geolocalização para realizar as entregas ou trabalhos utilizando drones e veículos autônomos. Uma vez endereçado o pedido, ele é desembarcado em pontos de coleta atendidos por estes equipamentos driverless de pequeno porte, que se encarregariam de levar a encomenda até a porta do comprador ou ao setor adequado dentro de um centro de distribuição – como faz o Jefe.

A mesma FedEx, aliás, desenvolveu em 2019 um veículo autônomo de delivery hiperlocal, o Roxo. Do tamanho de uma pequena geladeira sobre seis rodas, o ‘same day bot’ funciona com sensores e equipamentos guiados por satélite para ir do ponto A ao ponto B. Após períodos de testes em pequenas cidades dos Estados Unidos e Inglaterra, o Roxo foi aprovado para uso em larga escala. Atualmente, seis estados americanos já autorizaram o seu uso para entregas de mercadorias em raios de distância restritos.

LEIA MAIS: Tecnologia IoT: eficiência e transformação

Quanto ao uso de drones, as primeiras experiências já foram realizadas, mas pelo perfil do modal e o alto grau de exigência legal para a sua liberação, esta solução ainda deve demorar um pouco mais para ser efetivada. Fato é que o uso destes veículos aéreos não tripulados e com alta tecnologia embarcada serão cruciais para entrega de mercadorias e produtos em locais remotos, com forte apelo para missões humanitárias.

entrega-milionaria

A internet das coisas transportáveis

Dentre as tecnologias disponíveis e mais acessadas pelo setor, o IoT, sem dúvida, ocupa posição de maior destaque. O ecossistema de sensores inteligentes que integra indústrias, empresas, negócios e pessoas tem sido largamente utilizado para fornecer dados sobre ativos físicos – no caso, produtos – que necessitem de monitoramento, seja dentro de um facility ou embarcado em um avião rumo ao outro lado do planeta.

As informações transmitidas em tempo real permitem não apenas um controle mais preciso e seguro sobre o bem transportado, como também verificar a eficiência do processo – por exemplo, a velocidade média e qualidade das rotas de um comboio de carretas em deslocamento. Toda essa imensidão de dados também pode contribuir na geração de negócios completamente novos.

Além de ser importante para o rastreamento de cargas e o gerenciamento dos recursos de transporte – manutenção dos veículos, cálculos de trajetos e fretes, monitoramento do tráfego, consumo de combustível e todo o planejamento de segurança da viagem –, a arquitetura de IoT tem se colocado com grande valor para a gestão dos estoques e melhor controle dos processos. Para tanto, a associação com edge computing torna a estratégia ainda mais assertiva. A computação de borda processa o dado onde ele é gerado, acelerando o tempo de resposta e agilizando o trabalho de toda essa infraestrutura automatizada.

Segundo a consultoria BCG, do ponto de vista do caixa da empresa, a digitalização do supply chain tem colaborado com um aumento médio de 40% das margens de lucro nas operações, com uso 20% menor do capital de giro e redução de até 50% nos custos logísticos totais.

carga-pesada

Sustentabilidade é prioridade

Segundo a legislação internacional, as empresas de transporte marítimo precisam reduzir pela metade as suas emissões de gases do efeito estufa (940 milhões de toneladas anuais) até 2050. O setor, que é responsável por 80% dos deslocamentos comerciais do mundo, produz entre 2% e 3% de todo o CO2 que é despejado na atmosfera hoje. Alguns especialistas sugerem que este percentual pode chegar a 17% em três décadas caso nada seja feito (Fonte: S&P Global Platts). Descarbonizar, portanto, é prioridade absoluta.

A transição para uma realidade carbon zero passa necessariamente pela utilização de tecnologia – seja no desenvolvimento de combustíveis menos poluentes, design mais aerodinâmico para as embarcações e a criação de propulsores mais eficientes.

Outras medidas podem ser tomadas em terra, como a otimização das operações das empresas. Sistemas de IoT, edge e machine learning podem contribuir amplamente na melhora da eficiência energética de toda a infraestrutura onshore das companhias. A adoção de plataformas digitais como o digital twin, que cria simulações digitais para aplicação de modelos e estratégias antes de sua implantação na vida real, colaborando na análise dos ativos e projeção de eventuais custos relacionados à manutenção. Isso é importante na medida que antecipa ações que ajudarão a reduzir custos e prolongar a vida útil dos equipamentos.

LEIA MAIS: Como o edge computing se tornou essencial para a indústria 4.0?

Preparar o talento humano

Nos galpões da FedEx na Carolina do Norte, Jefe e seus quatro amigos autônomos realizam o trabalho equivalente a 25 funcionários humanos. A direção da unidade garante que nenhum emprego foi perdido desde que os novos colegas robôs começaram na empresa. Ao contrário: a vinda deles levou aos demais a buscarem desenvolver novas habilidades, muitas delas ligadas a área de TI como manutenção de servidores, operação das plataformas digitais e o gerenciamento dos dados. A FedEx declara que 100 novas vagas de emprego são criadas naquele CD todos os meses desde a chegada do Jefe.

No relatório “Delivering Digital Talent”, da Deloitte, os analistas afirmam que estas tecnologias estão criando novas tarefas ou recombinando várias delas, simplificando o trabalho. Assim, atividades outrora dentro de silos de conhecimento – como o planejamento de logística, coordenação e pagamento de fretes – passam a ser realizadas por um único funcionário, com a ajuda de dados obtidos via IoT e processos consolidados no blockchain. Estes indivíduos em suas novas funções buscam conhecimento adicional, o que se resulta em um acréscimo valioso à cadeia de valor da empresa.

Em qualquer área de atuação, a evolução tecnológica tem sido fundamental no estímulo à reinvenção de métodos e reciclagem do saber. Na logística 4.0 não é diferente: a aplicação de tecnologia rompe antigos paradigmas e cria novos processos para permitir mais produtividade, eficiência, segurança e agilidade ao setor e quem se utiliza dele. O benefício dessa transformação é horizontal: das empresas, que ficam mais rentáveis; dos trabalhadores, que se tornam mais habilidosos; do meio ambiente, que passa a ser mais preservado; e do cliente final em casa, menos ansioso e mais confiante de que a sua compra vai chegar no prazo e na forma contratada.